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Na mira dos carboidratos: dois novos estudos questionam diretrizes nutricionais atuais

Essa semana um dos maiores estudos do impacto de padrões alimentares na mortalidade e nas doenças cardiovasculares provocou grande repercussão na midia internacional. As descobertas desse estudo prospectivo foram anunciadas no Congresso da Sociedade Européia de Cardiologia em Barcelona (ESC). O estudo foi também publicado no The Lancet evidenciando que as dietas ricas em carboidratos levariam a maiores taxas de mortalidade, enquanto as dietas ricas em gorduras não parecem ter um impacto muito grande nos problemas cardiovasculares. Mas há muito, muito mais nesse estudo…
 
Maior mortalidade com consumo de carboidratos?
O estudo examinou a ingestão dietética de mais de 135 mil indivíduos em 18 países ao redor do mundo usando questionários de freqüência de alimentos validados, com acompanhamento de mortalidade e eventos cardiovasculares em cerca de 4 anos.
As dietas dos participantes foram categorizadas com base na porcentagem de energia fornecida por carboidratos, gorduras totais e proteínas, bem como avaliações específicas para gorduras poliinsaturadas e saturadas. 
 
“Os achados questionam a sabedoria de longa data que os indivíduos devem limitar a ingestão de gordura total a menos de 30% da energia diária e a gordura saturada a menos de 10%. Na verdade, os achados do estudo mostram que a troca dos carboidratos da dieta em favor de gorduras de todos os tipos, até mesmo de gorduras saturadas, poderia ser o melhor.“
 
Mais de 25% do planeta consume carboidratos em excesso
A maioria das pesquisas anteriores se concentrava em dietas nos EUA e na Europa. Essa pesquisa tem o diferencial ao expandir sua avaliação a nível mundial, os pesquisadores do PURE descobriram que a taxa de participantes que dependiam fortemente do consumo de carboidratos era muito maior que a registrada anteriormente. Cerca de um quarto dos participantes obteve mais de 70% de suas calorias de carboidratos, descobriram os pesquisadores.
As tentativas de se ajustarem aos fatores socioeconômicos não alteraram os achados, mas os pesquisadores PURE reconheceram que dietas altas em carboidratos poderiam simplesmente refletir menores rendas. De fato, dietas com mais de 60% de calorias de carboidratos eram mais comuns em nações de baixa e média renda.
 
E o consumo de frutas e legumes?
 
A segunda apresentação e o artigo do Lancet, de Andrew Mente, PhD, também da McMaster University, desafiam a convicção amplamente realizada e quase religiosa de que mais é sempre melhor quando se trata de frutas, vegetais e leguminosas.
O estudo confirmou que frutas e vegetais (e legumes) com moderação são bons para a saúde, mas não mostrou que os benefícios continuam crescendo com o aumento do seu consumo. Em vez disso, os pesquisadores PURE descobriram que o benefício máximo foi alcançado com três a quatro porções por dia. As diretrizes atuais recomendam que as pessoas consomem cinco porções por dia. Os autores observam que muitas pessoas em países de baixa renda não conseguem pagar esse alto nível de consumo. Em resumo o consumo de frutas é benéfico desde que feito com equilíbrio e com orientação. 
 
 
O que podemos resumir desses estudos?
 
Pela primeira vez, um estudo fornece um olhar global sobre as realidades das dietas das pessoas em muitos países e dá uma imagem mais clara da ingestão de gordura e carboidratos das pessoas. O foco atual na promoção de dietas com baixo teor de gordura ignora o fato de que a maioria das dietas das pessoas em países de baixa e média renda são muito altas em carboidratos, o que parece estar vinculado a piores resultados de saúde. Nos países de baixa e média renda, onde dietas consistem em mais de 65% de energia a partir de carboidratos, as diretrizes devem reorientar sua atenção para reduzir a ingestão de carboidratos, em vez de se concentrar na redução de gorduras. As melhores dietas incluirão um equilíbrio de carboidratos e gorduras – aproximadamente 50-55% de carboidratos e cerca de 35 % de gordura total, incluindo gorduras saturadas e poliinsaturadas. 
 
Vale lembrar que esses estudos não dão nenhum suporte para uma dietas com muito baixo carboidrato (very low carb) mas mostram que há um consumo excessivo do carboidrato pela população e que uma redução planejada pode trazer benefícios para a saúde.  Um planejamento alimentar deve ser feito sob a orientação do nutricionista após uma avaliação completa dos hábitos alimentares do indivíduo. Pessoas com doenças cardiovasculares, dislipidemia ou resistência à insulina devem também fazer acompanhamento medico regular. 
 
Referências:
 
1) Mente et al. Association of dietary nutrients with blood lipids and blood pressure in 18 countries: a cross-sectional analysis from the PURE study. http://dx.doi.org/10.1016/S2213-8587(17)30283-8
 
2) Miller et al. Fruit, vegetable, and legume intake, and cardiovascular disease and deaths in 18 countries (PURE): a prospective cohort study. http://dx.doi.org/10.1016/S0140-6736(17)32253-5
 
 
Por: Dr. Guilherme Renke
Médico membro da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia – SBEM