O sequestrador do ônibus que passava pela ponte Rio-Niterói, na manhã desta terça-feira (20), Willian Augusto da Silva, 20, dizia que queria repetir o sequestro do ônibus 174, ocorrido no Rio em 2000, e “entrar para a história”. O relato é de passageiros que ficaram quase quatro horas como reféns do criminoso.
Willian morreu após ação da polícia, que disparou tiros para interromper o sequestro. Um familiar do criminoso teria dito aos passageiros do ônibus que ele sofria de transtornos mentais. Nenhum dos reféns se feriu.
“Willian só falava que queria entrar para a história, que a gente ia ter muita história para contar. Só falava isso”, disse o professor Hanz Miller, 34.
O sequestrador entrou no ônibus por volta de 5h10 da manhã desta terça-feira (20) e depois de algum tempo de viagem, levantou uma arma [falsa], o que assustou os passageiros. “Ele falou ‘calma, pessoal, não quero machucar ninguém'”, conta Hanz.
O ônibus sequestrado fazia a linha 2520, que sai do Jardim Alcântara, em São Gonçalo, em direção ao bairro do Estácio, na região central do Rio. O sequestrador ordenou que o motorista da viação Galo Branco estacionasse o veículo atravessado na ponte. Ele carregava uma pistola falsa, uma faca e um taser (eletrochoque).
Hanz conta que o sequestrador não tentou pegar dinheiro dos passageiros, inclusive fazendo graça com a situação. “Ele dizia que queria dinheiro do Estado. Não queria dinheiro nosso.”
O próprio Willian teria pedido que os passageiros chamassem a polícia.
O criminoso mandou que todos fechassem as cortinas do ônibus e solicitou comunicação por rádio com os policiais. E quando conseguiu o dispositivo, pediu que uma das passageiras escrevesse com um batom no vidro do ônibus para que a polícia entrasse em contato para negociar. A cena remonta ao sequestro do ônibus 174, em 2000.
Naquele crime, um assaltante, Sandro Barbosa do Nascimento, e uma refém, Geísa Firmo Gonçalves, foram mortos após mais de cinco horas de negociações. O caso foi exibido ao vivo na televisão.
Já à noite, Sandro aceitou se render, após muitos sinais de nervosismo e de violência. Ele saiu do ônibus com uma arma apontada para Geísa. Na ação de policiais militares do Bope, a refém foi baleada e morta. O assaltante chegou a ser colocado no camburão, onde foi asfixiado por PMs e também morreu.
Nesta terça, segundo os passageiros, Willian tomava energético durante toda a ação e dizia que queria manter a adrenalina.
O sequestrador teria então escolhido um dos passageiros para amarrar os demais.
Alguns passageiros conseguiram se soltar e mandar mensagem para seus familiares. Daniele Caria estava em casa quando recebeu uma mensagem do marido, Carlos Pereira da Silva, dizendo que estava dentro de um ônibus sequestrado. “Não tinha como ficar calma”, disse ela.
“Ele disse que o bandido não ameaçou matá-los em nenhum momento, dizendo para ficar calmo. Dizia que iria parar a cidade. Mas o momento de tensão foi quando começou a espalhar gasolina no ônibus”, conta Daniele.
Hanz explica que o sequestrador pediu para que os passageiros passassem um barbante pelo teto do ônibus. Willian prendeu ao barbante fundos de garrafa PET, onde colocou um produto que supostamente era gasolina.
“Colocou a gasolina e dizia que não queria tacar fogo no ônibus. Mas nunca ameaçou a gente, dizia que não ia machucar ninguém. Ficamos tensos, com medo da gasolina cair. Em nenhum momento disse que ia tacar fogo”, disse Hanz.
“Fiquei assustada porque ele manipulava o isqueiro. Ele repetia que não dormia há seis dias”, disse a recepcionista Rafaela Gama, 20. Segundo ela, Willian acompanhava pelo celular a repercussão do sequestro e ria.
Willian chegou a dizer ao negociador da polícia que queria parar o estado com o engarrafamento formado.
Durante o sequestro, Hanz, que estava no fundo do ônibus, escreveu um bilhete com um batom e colocou entre a janela em que estava e a cortina. Na mensagem, direcionada aos policiais que cercavam o ônibus, dizia: “Ele está na frente, em pé”. Em outra mensagem, escrita a lápis, o professor escreveu: “Ele está só, armado, mas não roubou ninguém”.
“Eu escrevi isso e coloquei entre a cortina e o vidro, sem ele ver. Aproveitava momentos que ele estava de costas”, disse Hanz.
Em dado momento, ao olhar para o mar sob a ponte Rio-Niterói, Willlian teria perguntado sobre a profundidade da água.
Segundo o contador Lafaiete Resende, outro refém, Willian ordenou que as últimas poltronas do ônibus fossem liberadas para que os passageiros pudessem usar o espaço como banheiro. O criminoso dizia que o sequestro ainda iria demorar.
Ao longo da negociação, encabeçada por policiais rodoviários e do Batalhão de Choque, o criminoso libertou seis reféns: quatro homens e duas mulheres. Ao ser resgatada, uma das vítimas desmaiou no asfalto.
Um dos reféns liberados nesse momento foi o auxiliar de cartório Robson de Oliveira, que estava passando mal. “Fiquei preocupado porque ele falou que queria reviver a história do 174”, disse Robson.
Por volta das 9h, Willian sai do ônibus, segundo relatos dos reféns, para entregar itens de um dos passageiros que acabara de ser libertado. Ele usava uma máscara que deixava apenas seus olhos à mostra e mantinha uma mão na cintura. Com a outra mão, ele jogou um casaco em direção aos policiais e fez um aceno.
Ele tentou retornar ao ônibus, mas foi atingido por tiros disparados por um atirador de elite que estava no alto de um caminhão dos bombeiros na ponte.
Após os disparos, o atirador da PM fez um sinal de positivo para indicar que havia acertado o criminoso. Nesse momento, os policiais e pessoas que assistiam à cena comemoraram.
Dentro do ônibus, o sentimento ainda era de apreensão. “O momento mais tenso foi quando foi abatido pela polícia, fica com medo de pegar em alguém, como aconteceu no 174. Percebi que ele não queria machucar ninguém, queria apenas repercussão. A polícia militar do Rio de Janeiro fez um trabalho perfeito. Esquece prefeito, esquece governador. A polícia foi perfeita”, declarou Carlos Pereira.
Após o fim do sequestro, na delegacia, um parente de Willian teria se desculpado com os reféns, afirmando que o primo tinha problemas mentais e depressão e que ele vivia na internet.
Segundo a polícia, apesar do choque emocional, todos os 31 passageiros libertados passam bem.
PSIQUIATRA ALERTA PARA ESTRESSE PÓS-TRAUMÁTICO
Episódios violentos como o desta terça-feira podem gerar transtornos como o estresse pós-traumático nos reféns e em seus familiares, diz o psiquiatra Higor Caldato psiquiatra, especialista em psicoterapias.
Nos primeiros 30 dias, ele explica, é normal desenvolver um estresse agudo, com sintomas físicos como mal estar, taquicardia, perda de sono.
“É preocupante quando esses sintomas se estendem por mais tempo”, afirma. Principalmente quando acompanhados de outros: como flashbacks, pensamentos recorrentes, isolamento social e sudorese, por exemplo. A partir disso, outros problemas podem se desenvolver, como ansiedade e depressão.
O importante, diz o médico, é “dar suporte psicológico e psiquiátrico o mais rápido para essas pessoas. Às vezes é necessário inclusive o uso de medicamentos para controlar o quadro, que é reversível”.
Ele diz que cerca de 20% das pessoas que passam por situações de extrema violência, como um sequestro, devolvem transtornos do tipo. “Isso porque os pacientes demoram cerca de dois anos para procurar ajuda”, afirma.