Conseguir parar de fumar é extremamente difícil. Mas não é impossível, como provam dados apresentados pela Pesquisa Especial de Tabagismo do Instituto Nacional do Câncer (Inca). Segundo os números, em 2008 a população de ex-fumantes superou a de fumantes no Brasil. De lá para cá, o tabagismo está em queda no país. Pesquisa de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel), do Ministério da Saúde, informa que os fumantes passaram de 15,6% da população em 2006 para 9,3% em 2018, uma queda de 40% em 12 anos. Ainda assim, muita gente luta sem sucesso para abandonar o hábito. Neste Dia Nacional de Combate ao Fumo, o EU Atleta conversou com médicos para entender um pouco mais da dependência ao tabaco e oferecer dicas para quem precisa de um empurrãozinho para abandonar o cigarro.
De acordo com dados de 2011 do Ministério da Saúde, 80% dos fumantes dizem que gostariam de parar de fumar e 40% fazem ao menos uma tentativa por ano, mas apenas de 3% a 4% conseguem o objetivo sozinhos, sem auxílio. Isso ocorre porque a ligação da nicotina, uma das substâncias encontradas na folha do tabaco, com os receptores neuronais estimula o sistema nervoso central dopaminérgico mesolímbico, que acredita-se mediar as sensações de reforço e recompensa. Em bom português, a nicotina causa muita dependência por atuar diretamente no sistema nervoso central.
Um estudo realizado pela Universidade de St. George, em Londres, com camundongos demonstrou que o exercício de intensidade moderada pode reduzir a gravidade dos sintomas de abstinência da nicotina. A cardiologista Aline Renke, membro da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), explica que para que isso ocorra, há um aumento da ativação do receptor cerebral alfa7 nicotínico acetilcolina, que se liga à nicotina, reduzindo os efeitos negativos da abstinência.
– O resultado é um efeito protetor que antecede a cessação do tabagismo contra o desenvolvimento de dependência física, o que poderia ser um fator favorável para ajudar a cessar o tabagismo – explica.
Sintomas de abstinência da nicotina
Humor depressivo,
Irritabilidade,
Frustração,
Raiva,
Ansiedade,
Aumento de apetite e ganho de peso.
O cardiologista Fabio Tuche, membro da Sociedade Brasileira de Cardiologia e doutor em Ciências pela Uerj, afirma que aspectos comportamentais e culturais também contribuem para a persistência do tabagismo e as altas taxas de recaída após o abandono.
– As recaídas geralmente ocorrem em situações sociais ou durante períodos estressantes. O comportamento tabagista é influenciado por fatores biológicos, genéticos, comportamentais, sociais e ambientais – acrescenta.
Estudos realizados com gêmeos adotados sugerem que há uma predisposição genética para o tabagismo, mas fatores ambientais são fundamentais. Em lares onde há fumantes, por exemplo, há maior acesso aos cigarros e há o exemplo paterno, que serve de incentivo ao hábito.
Como parar de fumar
Fabio recomenda, para aqueles que fumam menos de 10 cigarros/dia, uma substituição da nicotina de acordo com a necessidade (goma, pastilha, inalador, spray nasal), preferível ao uso de terapias contínuas como adesivo de nicotina ou medicamentos.
– Tabagistas que fumam o seu primeiro cigarro antes de 30 minutos após acordar possuem um grau de dependência da nicotina maior, necessitando um tratamento mais intensivo. Portanto, o alto risco de doenças e de diminuição de sobrevida associada ao tabagismo determina que se procure atendimento médico no auxílio para parar de fumar – alerta.
Já Aline afirma que o sucesso na abordagem do indivíduo que deseja parar de fumar deve envolver tempo e mudanças de comportamento, que incluem desde a fase de pré-contemplação (o fumante não pensa em parar de fumar) até a manutenção (aquele que já parou de fumar, mas deve ter atenção às recaídas).
– O tratamento deve incluir uma abordagem cognitivo-comportamental e os medicamentos devem ser utilizados com a finalidade de reduzir sintomas da síndrome de abstinência, facilitando essa abordagem. O indivíduo pode marcar uma data para parar de fumar (parada abrupta) ou parar gradualmente (por redução), lembrando que esta última é importante estipular um prazo de até duas semanas para o abandono do cigarro – alerta.
Ela acrescenta que para que o processo de cessação ocorra, é importante o acompanhamento multidisciplinar e o médico trabalhando no ambiente social do fumante, envolvendo familiares, amigos e colegas de trabalho.
Higor Caldato, psiquiatra com especialização em Psicoterapias e Transtornos Alimentares na UFRJ, e membro da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), destaca que o Brasil tem alguns protocolos estabelecidos e se tornou referência no mundo todo, já tendo, inclusive, recebido premiações na luta contra o tabagismo. Ele explica que o ideal, segundo o protocolo do Instituto do Câncer (INCA) é, primeiramente, estabelecer a motivação do paciente.
– A maioria dos pacientes tabagistas não está disposta a tratar. Sempre acha que as consequências estão distantes, ou, às vezes, os casos se apresentam com outra dependência, como o alcoolismo associado ao cigarro. Cerca de 80% dos fumantes que tentam parar de fumar sozinhos não conseguem – explica.
Para isso, o Inca recomenda marcar uma data e parar de fumar de fato. Segundo o doutor Higor, quem tenta parar de fumar aos poucos apresenta mais dificuldade.
– Além disso, tem que fazer uma “higienização” de todo o comportamento. Orientamos a lavar cortinas, estofados do carro, e desligar todas as situações que possam remeter ao cigarro – acrescenta.
O psiquiatra também recomenda, como Aline, o exercício físico. Uma das doenças mais associadas ao tabagismo é a depressão. Sabe-se que, independentemente da doença, a atividade física é fundamental. Para Higor, o importante é entender o poder que a atividade física exerce no cérebro.
– Temos uma região chamada pré-frontal, que é responsável pelo planejamento, pela tomada de decisões e há diversos estudos científicos que mostram que o exercício físico, principalmente aeróbico, faz uma angiogênese, ou seja, estimula a formação de novos vasos sanguíneos, fazendo com que essa região ganhe mais força, seja mais irrigada, receba mais oxigênio, glicose etc. – explica.
Outro pilar do tratamento é a terapia cognitivo comportamental, ou seja, a psicoterapia. O paciente precisa aprender a lidar com a possibilidade de recaídas, com a decisão de parar de fumar. O doutor Caldato lembra que no serviço público, há postos de saúde da família, além de protocolos do Ministério da Saúde com indicações.
– Há também grupos de ajuda mútua para o tratamento de tabagismo gratuitos. Em relação à especialidade médica, o ideal é a psiquiatria e a pneumologia, que são as mais indicadas para esse tipo de tratamento – conclui.
Dicas para abandonar o cigarro, baseadas nos protocolos do Inca
Em primeiro lugar, entenda o porquê você quer parar. É importante ter um motivo para se agarrar nos momentos de abstinência, seja ele sua saúde, sua vida social ou seu desempenho esportivo. Quando sentir vontade de acender um cigarro, é nesse motivo que você deve pensar.
Escolha a forma ideal para você:
A parada imediata, que deve ser a primeira opção. Você estabelece uma data e para de vez.
A parada gradual, indicada para quem tem sintomas de abstinência muito fortes e que pode ser feita de duas formas: reduzindo o número de cigarros fumados a cada dia, gradativamente; ou adiando a hora do primeiro cigarro um pouco a cada dia, até chegar um momento em que um dia inteiro terá se passado sem que você fume. Entre o primeiro e o dia da parada definitiva não se deve ultrapassar duas semanas.
Se necessário, use repositores de nicotina, como adesivo, spray nasal, chiclete ou pastilhas. Esse artifício, que ameniza os sintomas de abstinência, deve ser adotado com acompanhamento médico e por um prazo pré-determinado.
Estipule uma data para parar, de preferência em um dia calmo. Marque essa data no calendário, para que ela se torne um dia especial, que merece ser celebrado a cada aniversário.
Peça ajuda médica. Um profissional pode indicar medicamentos, como a Bupropiona, um antidepressivo também usado para ajudar a parar de fumar.
Procure ajuda psicológica. Um bom terapeuta pode te encaminhar para grupos de terapia cognitiva, que ajudam a reformular hábitos ligados ao fumo.
Evite lugares com fumantes no início. A tentação pode ser forte demais. Em pouco tempo você estará mais forte e poderá voltar a circular entre fumantes sem ceder aos impulsos.
Mude hábitos que reforcem o vício. Escolha um hobby ou uma atividade nova prazerosa para mexer na sua rotina.
Torne sua casa e seu carro ambientes sem cheiro de cigarro. Lave cortinas, estofados, roupas nos quais você sinta o odor característico, que pode ser um gatilho para você procurar o cigarro.
Faça exercícios físicos. Estudos demonstram que o exercício libera noradrenalina e cortisol, que podem ajudar a reduzir o desejo por nicotina, melhorando os sintomas de abstinência, como inquietação, fome e ganho de peso.
Se sentir muita vontade de fumar, ocupe a boca: chupe gelo, escove os dentes, beba água gelada ou coma uma fruta.
Segurar o cigarro entre os dedos também é um hábito difícil de largar. Por isso, mantenha as mãos ocupadas com uma bolinha antiestresse, um elástico ou qualquer objeto pequeno que você possa manusear.
Guarde o dinheiro que você gastaria com o cigarro e, ao fim de cada mês, use-o em um programa legal, como um jantar ou um passeio, ou comprando algo para você mesmo ou para alguém a quem você ama. Você merece!
Não desanime se tiver uma recaída. Dê a si mesmo quantas chances forem necessárias até você conseguir parar.